Reflexão
- Bodokan

- 28 de out.
- 4 min de leitura
Pequena introdução:
Muita gente ainda acredita que são as duas horinhas que o jovem passa no judô, jiu-jitsu, karatê ou outra arte marcial que atrapalham as crianças e jovens na escola. Mas, na real... nunca foi isso. E, tirando um tempo para pensar, depois de dias com isso me incomodando e remoendo por dentro, sentei diante do meu caderno para escrever esse texto, que transcrevo abaixo e que espero que todos leiam até o fim e reflitam, assim como eu fiz, para poder avaliar melhor a importância das artes marciais na vida dos jovens.
Reflexão:
Sabe… é muito curioso como, tantas vezes, os próprios pais reclamam dos treinos de artes marciais. Dizem que é muito tempo. Que termina muito tarde. Que é pesado. Que atrapalha a escola. Que ficar até um pouco mais tarde no tatame não é coisa de “criança” nem de “adolescente”.
Mas o que esses mesmos pais não percebem é que, quando não estão no treino, muitos desses jovens estão grudados em telas de celulares, em um mundo onde é quase impossível controlar o que estão acessando. Ou então estão nas ruas ou em festas, cercados de pessoas estranhas e dos mais diversos vícios. Ou simplesmente andando por aí… sem direção, sem propósito, sem referência… expostos aos perigos da noite. E, curiosamente, isso... não parece incomodar tanto assim, ao ponto de muita gente nem perceber os riscos que essas escolhas podem trazer.
O treino cansa, sim. O treino exige, sim. E ainda bem que exige. Porque disciplina, respeito, autocontrole e superação não se aprendem no conforto. E, se não aprendem no treino, vão tentar aprender na vida... e a vida, na maioria das vezes, ensina do jeito mais duro.
Mesmo assim, muitos pais e professores dizem que as artes marciais atrapalham o desenvolvimento dos seus filhos, dos seus alunos. Mas, por outro lado, não se escandalizam ao ver seus filhos ou alunos, muitas vezes menores de idade, bebendo em festas ou consumindo coisa pior... Aí parece que tudo bem. Aí parece que é só “coisa da idade”. Só curiosidade. Parece que é “normal”.
E eu te pergunto... o que realmente atrapalha o futuro de uma criança? O treino… ou a falta de limites, de disciplina e de valores?
E, falando sobre a escola… é claro e óbvio que estudar é fundamental. O conhecimento abre portas e é transformador. Mas sejamos honestos... as notas, hoje, importam muito mais para alimentar o sistema do que para refletir quem aquele aluno realmente é.
Afinal, um zero em matemática não define ninguém. Assim como um dez em história não garante caráter, responsabilidade ou empatia.
Ou seja, a verdade é que, por trás de cada aluno com nota baixa, muitas vezes existe uma história que ninguém quis ouvir. Existe um jovem sobrecarregado, acumulando déficits que vêm lá de trás... de um ensino que empurra, que aprova sem ensinar, que segue em frente sem se importar se o aluno é capaz de acompanhar ou se ficou para trás no caminho.
Além disso... sabe o que falta? Palavras. Palavras de incentivo. Palavras de apoio. Palavras de carinho. Palavras que fortalecem, que curam, que constroem. Na escola, muitas vezes, não existem. E, pior ainda, dentro de casa, elas se transformam em críticas, em comparações, em julgamentos que, muitas vezes, os próprios pais nem percebem que estão fazendo.
“Você não aprende.”
“Você não serve pra isso.”
“Você só me dá trabalho.”
“Você é um inútil.”
“Você é um vagabundo.”
“Você é burro.”
“Suas irmãs ou primas são melhores que você.”
Essas palavras, que deveriam ser escudo, se tornam feridas. Feridas que não aparecem do lado de fora, mas que fazem desses jovens... frágeis por dentro. Inseguros. Perdidos…
E sabe onde, muitas vezes, eles encontram aquilo que não têm em casa nem na escola?
No tatame.
E sabe… nenhuma prova ensina a levantar depois de cair. Nenhuma equação ensina a controlar a raiva, a ansiedade, o medo. Nenhum boletim escolar ensina a olhar no olho, a respeitar, a reconhecer seus limites e, ainda assim, se superar.
O tatame ensina.
O treino ensina.
Lá... aonde eles vão para cair e derrubar, para bater e apanhar... Lá eles são ouvidos. Eles são enxergados. Eles são incentivados a acreditar neles mesmos. Porque no tatame, não importa quem você foi ontem, importa quem você escolhe ser hoje. E quem você está lutando pra se tornar amanhã.
E se mais gente entendesse isso... não estariam tão preocupados se o filho fica até um pouco mais tarde no treino. Estariam, sim, preocupados se ele estivesse até tarde na rua... sem direção.
E tem mais... é muito fácil culpar o treino, culpar o esporte, culpar qualquer coisa, quando, na verdade, o que muitos não querem encarar é que o tal do “corre-corre do dia” virou desculpa para tudo.
“Não tenho tempo.”
“Tô muito cansado.”
“O dia foi puxado.”
E assim, vão se passando dias, semanas, meses… e, quando percebem, não sabem mais nem como o filho está. Seja em casa ou na escola. Não sabem do que ele gosta. Não sabem do que ele tem medo. Não acompanharam sua evolução e nem suas dificuldades.
E, quando tentam ajudar, quando sobra tempo, falta paciência. Aí o momento de estudo vira uma guerra. Uma troca de estresse. E, no final, culpamos tudo... menos a própria ausência.
E, aos queridos professores, essa reflexão também é pra vocês. Não joguem suas frustrações, seus desafios e suas insatisfações no colo dos professores de artes marciais. Porque, assim como vocês, nós também somos educadores. Também estudamos. Também planejamos. Também buscamos metodologias, estratégias e caminhos para tirar o melhor de cada aluno que pisa no tatame.
E, acreditem... às vezes, nem isso basta. Porque, como já falamos aqui, existe um contexto inteiro que vai muito além do que qualquer nota, faixa ou boletim pode mostrar.
No final somos todos peças do mesmo sistema. E, se não nos unirmos: escola, família e esporte, quem perde não somos nós. Quem perde são eles. As crianças e jovens.
Então, antes de apontar o dedo para o treino... reflita.
Porque talvez o que está realmente faltando, não seja tempo para estudar, nem energia ou mesmo disciplina...
Deixo que cada um de vocês possa refletir sobre o que está realmente faltando.


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